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Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis
Análise da obra
É a obra inaugural da fase realista de Machado de Assis, representando uma verdadeira
revolução de idéias e formas: de idéias, porque aprofunda o desprezo pelas idealizações
românticas, fazendo emergir a consciência nua do indivíduo, fraco e incoerente; de formas,
pela ruptura com a linearidade da narrativa e pelo estilo "enxuto"
...

É a partir de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) que Machado de Assis atinge o
ponto mais alto e equilibrado da ficção brasileira
...
São as memórias de um homem igual a tantos
outros, o cauto e desfrutador Brás Cubas, que tudo tentou e nada deixou
...

Estrutura da obra
A estrutura de Memórias Póstumas de Brás Cubas tem uma lógica narrativa surpreendente
e inovadora
...
Uma lembrança puxa a outra e o narrador
Brás Cubas, que prometera contar uma determinada história, comenta todos os outros fatos
que a envolvem, para retomar o tema anunciado muitos capítulos depois
...
A aparente falta de coerência da
narrativa, permeada por longas digressões, dissimula uma forte coerência interna,
oferecendo ao leitor todas as informações para conhecer a visão de mundo de um homem
que passou pela vida sem realização nenhuma, apenas ao sabor de seus desejos
...
Machado de Assis, por intermédio do seu narrador, se dirige
diretamente ao leitor, metalingüisticamente, para comentar o livro
...
Lá iremos
...

Personagens
Brás Cubas - narrador - morto aos 64 anos - “ainda próspero e rijo”, fidalgo
...


Virgília - filha do comendador Dutra, segundo o pai de Brás, Bento Cubas A “Ursa Maior”
amante de Brás Cubas casa-se com Lobo Neves por interesse
...

Damião Lobo Neves - casado com Virgília, homem frio e calculista
...

Quincas Borba - menino terrível que dava tombos no paciente professor Barata, colega de
escola de Brás que o encontrará mais tarde mendigo que rouba-lhe um relógio mas
retorna-o ao colega após receber uma herança
...
Desde
criança era de um temperamento ativo, exaltado, querendo ser sempre superior nas
brincadeiras
...
Quando
adulto, passa pelo estado de mendigo, evoluindo depois para filósofo e desenvolve um
sistema filosófico, denominado Humanitismo, que pretende superar e suprimir todos os
demais sistemas até tornar-se uma religião
...
Mulher sensual, mentirosa, amiga de rapazes e
de dinheiro
...
Contrai varíola e fica feia, com
a pela grassa como uma lixa
...

Cotrin - casado com Sabina, é interesse, traficante de escravos e cruel com eles,
mandando-os castigar até correr sangue
...
Era moça séria, tranqüila,
dotada de olhos negros e olhar direito e franco
...

Nhá Loló - moça simplória, tinha dotes de soprano - morre de febre amarela
...

Nhonhô - filho de Virgília
...
Plácida empregada de Virgília confidente e protetora de sua relação extra conjugal
...
Por estar morto,

Brás Cubas assume uma posição transtemporal, de quem vê a própria existência já de fora
dela, "desse outro lado do mistério", de modo onisciente, descontínuo e sem a pressa dos
vivos
...
Essa é uma das famosas armadilhas machadeanas, contra
a credulidade do leitor ingênuo e romântico de sua época
...

Espécie de anti-modelo, de personagem-símbolo da ironia machadeana quanto ao ideal
burguês de "vencer na vida", a figura de Brás Cubas constitui uma inversão da travessia de
heróis burgueses, tematizados pela literatura realista
...

Brás Cubas conta a história de sua vida, a partir de sua morte
...
34), Virgília, que espera venha a ler o livro
(cap
...
87), narrador diferente da leitura romântica a quem o
narrador das obras anteriores se dirige
...
Tinha uma única irmã, Sabina, casada com
Cotrin, com quem teve uma filha, Venância
...
Ao falecer, tinha 64
anos (
...
Sua morte foi assistida por 3 mulheres: a irmã Sabina, a sobrinha
e Virgília, um de seus amores não concretizados
...
1), o emplasto (uma
idéia fixa que teve, ao final da vida, de inventar um “medicamento anti-hipocondríaco”, isto
é, que curasse a mania de doença das pessoas), sua origem (cap
...
4), sua doença (cap
...
6), o delírio (pesadelo que
teve antes de morrer em que lhe aparece Natureza ou Pandora, dona dos bens e dos males
humanos, dentre os quais, o maior de todos é a esperança, cap
...
8) e transição (cap
...
A partir do cap
...


Relata um episódio de 1814 quando, aos nove anos, delata uma cena de beijo entre Dr
...
Eusébia, uma “robusta donzela”
...

Em 1822, data da independência política do Brasil, torna-se o prisioneiro amoroso de
Marcela, “amiga do dinheiro e de rapazes”, em quem dá o primeiro beijo e cuja paixão dura
“quinze meses e onze contos de réis”
...
Em
Coimbra, torna-se bacharel, “mediocremente”
...
21) e A
borboleta preta (cap
...

Quando a mãe adoece, Brás Cubas volta ao Brasil, para velá-la, em seus últimos dias
...
Seu pai quer
que se torne deputado e lhe arranja uma noiva, Virgília, filha do Conselheiro Dutra, 15 ou 16
anos, atraente e voluntariosa
...
Brás Cubas a corteja, mas opta por Virgília, “uma jóia, uma flor, uma
estrela, uma coisa rara”
...
Ao encontra-se com Virgília, tem
uma alucinação e vê a namorada com o rosto marcado como o de Marcela, mas passa
...
O pai de Cubas, desgostoso, morreu, inconformado
...
Brás Cubas
torna-se recluso, escrevendo política e fazendo literatura, chegando a alcançar reputação
de polemista e poeta
...
Brás Cubas começa a freqüentar a casa deles e torna-se
amante de Virgília
...
Ajuda-o com cinco mil réis e este lhe rouba o relógio, ao
despedir-se
...
Plácida,
uma antiga agregada da casa de Virgília
...
Este reluta em aceitar
...


Brás Cubas recebe uma carta de Quincas Borba que lhe devolve o relógio roubado e quer
lhe expor sua teoria filosófica do Humanitismo, o princípio das coisas
...
E nomeado Presidente da Província e
o casal parte, terminando aí o romance proibido entre Virgília e Brás Cubas
...
Brás Cubas fica seduzido pela teoria do Humanitismo,
identificando-se com sua explicação materialista da existência humana
...
Aquela no entanto, morre, aos 19 anos de febre
amarela
...
Em 1855, Brás
Cubas encontra Virgília, num baile
...

Ao chegar ao 50 anos, Brás Cubas perde o interesse pela vida, que é o amor
...
Sua única companhia é
Quincas Borba, com quem filosofa sobre a vida e a existência humana através de
observações da realidade, como uma luta de cães por um osso
...
Plácida, que está a
morrer
...

Resolve publicar um jornal, de oposição ao governo, que contraria Cotrin, seu cunhado
...

Lobo Neves morre, na iminência de ser ministro
...

Brás Cubas reconcilia-se com o cunhado Cotrin, ingressa na ordem, para dar alguma
utilidade a sua vida, segundo ele, foi a fase mais brilhante de sua vida
...
Eusébia e do Vilaça, tão coxa como
antes e mais triste
...
O último capítulo, Das negativas, finaliza a obra com o tom cético e realista
que atravessa toda a obra: Brás Cubas não se torna famoso por seu emplasmo, não foi
ministro, nem califa, nem se casou
...
Não morreu como D
...
Ao morrer, chega ao outro lado,
sentindo-se um pouco credor, pois não teve filhos e portanto, não transmitiu “a nenhuma
criatura o legado de sua miséria”
...

O humorismo começa pela dedicatória do narrador: “Ao verme que primeiro roeu as frias
carnes de meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias póstumas
...
A visão irônica dos acontecimentos e dos pensamentos do narrador
mesclada a comentários amargos e cínicos sobre a existência produz uma concepção de
mundo absolutamente singular que estrutura todas as obras de segunda fase de Machado
de Assis
...
O enredo de ações trepidantes, que vai num crescendo
até o clímax, é completamente abandonado, cedendo lugar a episódios mais ou menos
soltos, que se alicerçam em pormenores aparentemente banais, em considerações
filosóficas abusadas e em tiradas humorísticas, tudo ilusoriamente desvinculado da história
central
...
Quando, no entanto, o
romance se fecha, os inúmeros episódios formam uma unidade, dando a este mesmo leitor
a noção de um conjunto harmonioso e convincente
...
A cultura
deBrás Cubas é enciclopédica, passando por todo o conhecimento geral da época
...
Todas as citações e referências
são extraídas de seu contexto específico e remetidas para o contexto pessoal do narrador,
como se este debochasse da tradição histórica e religiosa, colocando o saber culto de seu
tempo de cabeça para baixo
...

Alguns críticos vêem a morte de Brás Cubas como um símbolo do fim da concepção
romântica que ainda se fazia presente nos romances de primeira fase de Machado de
Assis
...

Indiscutível, no entanto, é a idéia machadiana de que só um morto poderia apresentar os
fatos de sua existência sem escrúpulos, sem fantasias e sem o temor da opinião pública
...

Brás Cubas não é a tradução ficcional de Machado de Assis
...
Contudo, Brás
Cubasvisivelmente representa uma classe social que não é a de Machado
...
A própria técnica de narrar de Brás Cubas, misturando
irreverência e desrespeito a tudo e a todos, corresponde à desfaçatez da classe dominante
brasileira do século XIX
...

O procedimento básico de Brás Cubas em relação a sua vida é o do desmascaramento
...

Os “bons sentimentos são a máscara hipócrita” do egoísmo, do interesse e da luta pela
glória
...
Episódio revelador
desta dimensão inexplicável de alguns atos ocorre, por exemplo, no capítulo A borboleta
preta
...
Depois, ele tenta justificar a sua ação dando-lhe uma forma
socialmente aceitável: “Também por que diabo não era ela azul?” Falsas racionalizações
como esta são emitidas o tempo inteiro pelo narrador
...

Convertido em mendigo cleptomaníaco e filósofo, Quincas Borba expõe com hilariante
seriedade um sistema de idéias designado como Humanitismo
...

Paradoxalmente, o ridículo discurso filosófico de Quincas Borba, próximo da insanidade, –
cujo lema darwinista é “Ao vencedor as batatas” – parece expressar a própria concepção
machadiana de mundo, centrada na luta selvagem do indivíduo para estabelecer algum tipo
de supremacia sobre os demais
...
Possivelmente morreria não fosse a
corajosa intervenção de um almocreve (condutor de bestas de carga), que deteve o animal
...
Acabou metendo na mão do
almocreve uma moeda de prata, mas ao afastar-se pensou com remorso que deveria ter-lhe
dado apenas uns vinténs, racionalizando que o homem não tinha em mira nenhuma
recompensa ao salvá-lo, cedendo apenas a um impulso natural
...
Em estado de transe causado pela
febre, Brás Cubas é arrebatado por um hipopótamo que o leva a origem dos séculos
...
Quando, por fim, Brás Cubas vê de perto o rosto da estranha, percebe-lhe a
impassibilidade egoísta e sua eterna surdez, ou seja trata-se de algo ou alguém indiferente
ao clamor humano
...
O personagem vê a história como
uma eterna repetição

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